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Olhar de fotógrafo (parte 02)

Saindo da caixa para a busca da essência, pergunto: Fotografia é arte?

Para que este artigo se torne transparente, sinto a necessidade de apresentar algumas chaves, onde falarei principalmente de contraste, harmonia, beleza, necessidade, utilidade e valor. Arte é o amálgama que descreve e raridade da vida humana. Dito isto...

Contraste

A consciência se produz pelo contraste. Quando algo termina, outra coisa começa. Se não existissem as cores? Se houvesse apenas uma nota musical, tomaríamos conhecimento da possibilidade de outras possibilidades existirem?

A Professora Lúcia Helena, da Escola Nova Acrópole diz (aproximadamente) que “onde termina uma cor, começa outra. Se o universo fosse inteiramente branco, teríamos a consciência de que outras cores estão presentes?”
Na prática: A beleza do alvorecer (ou anoitecer) está no entendimento humano de separação entre o dia e a noite. Quando um termina, outro começa e nos encantamos.
Nenhum outro animal do planeta parece contemplar contrastes como nós. Eu jamais soube de outro animal que dedicasse tempo para isso. Imagine uma tartaruga admirando uma rosa.


Harmonia

Belíssimas canções e sinfonias são compostas pelo que Pitágoras (entre outros) descreveu através da lógica matemática que separa uma nota musical de outra.
Naturalmente usamos dessa lógica (de contraste) para produzir relação entre partes daquilo que separamos para compreender (Dó, Ré, Mi, Fá...).
Por outro lado, somente a sensibilidade humana pode reunir notas musicais tão “distintas”, onde sons são equilibrados com o motivo de se dizer algo além do que se pode explicar de forma lógica e mecânica.

Músicas, dança, poesia, etc. deveriam ser sentidas por um propósito: Despertar-nos. A criatura não se apropria, ela cria através da harmonia para entrelaçar seres humanos e a sua própria existência.



Ainda neste contexto... Vide a decoração do seu lar. Um vaso e uma pequena flor sobre uma mesa é um bom exemplo de busca além da simples ideia de nos considerarmos máquinas com início, meio e fim. Embora a mesma peça de decoração ocorra por um interesse, há um desejo oculto de conexão.



Uma poesia, mesmo que a tragédia seja o tema, pode ser fascinante. Uma peça teatral pode ser bela, quando? Que atributos são necessários para que contraste e harmonia (dois opostos) possam se fundir?

Necessidade e utilidade

O contraste é necessário e a harmonia é útil. Quando o artista tem a sensibilidade que identifica os elementos necessários e os combina, algo surge – tanto para si, quanto para a audiência educada (sensível ao que se apresenta).
A necessidade é o convite para que possamos expressar algo, que numa camada superior será útil.

Imagine uma tribo *primitiva... alguns são destacados para uma jornada diária em busca de água em um córrego próximo. Nas redondezas existem predadores, então a tarefa não é das mais agradáveis.
Um dia, vendo água da chuva acumulada em uma folha, surge a ideia do primeiro oleiro e seu vaso de barro rudimentar... pronto.
Agora basta ir para o córrego duas vezes por semana para encher os recipientes e armazenar água e transportar em quantidade para a tribo. Antes, idosos e crianças faziam a jornada perigosa.
Com o tempo, um segundo indivíduo resolve fazer um novo recipiente, mas algo diferente acontece. Ocorre a ideia de fazer vasos diferentes. Alguns escolhem um modelo e outros preferem outro, então o criador resolve fazer riscos, desenhar... decorar. Que outro motivo levaria a esse acontecimento, senão a necessidade de uma conexão emocional com a utilidade do objeto e, consequentemente, com a vida?

O vaso que um dia nasceu por utilidade, no outro se transformou em elemento de decoração que nos conecta com a beleza.

Beleza

Tudo o que há mergulha no caos quando não existe harmonia (ou entendimento entre partes diferentes). Numa pesquisa rápida https://goo.gl/oICBd2, apresento três interpretações para o caos - segundo a mitologia, a filosofia de Platão e pela ótica da física. Estes significados distintos são relevantes para que você percebe o que quero dizer com caos.

“mit em diversas tradições mitológicas, vazio primordial de caráter informe, ilimitado e indefinido, que precedeu e propiciou o nascimento de todos os seres e realidades do universo.”

“p.ext. fil na tradição platônica, o estado geral desordenado e indiferenciado de elementos que antecede a intervenção do demiurgo.”

“fís comportamento de um sistema dinâmico que evolui no tempo, de acordo com uma lei determinista, e é regido por equações cujas soluções são extremamente sensíveis às condições iniciais, de modo que pequenas diferenças acarretarão estados posteriores extremamente diferentes.”

Voltando... a “construção” do belo é dada pela busca do que a natureza tem como premissa, que é a perpetuação da vida em oposto do caos.
A cada primavera, as flores são necessárias ou são uma consequência de um estado da natureza, ao qual o homem reproduz com sua arte. Isto vale para cada estação do ano, clima, etc. incluindo nossos sentimenos e sensações – que são moldadas por aspectos culturais e idiossincráticos.


Há a necessidade de forças complementares (contraste) que produzam continuidade (harmonia) e, por fim, o belo (contínuo e vital) se estabelece. O que é melhor parece guardar (ou ter como alicerce) o conceito do belo (contraste harmônico), que podemos interpretar como a produção estética capaz de viabilizar fontes que nos transportam para além da simples lógica.

Maternidade, altruísmo e ética são grandes exemplos de beleza. O belo não é necessariamente aquilo que achamos bonito.
Beleza se faz pela construção inescapável da bondade. Imagine a beleza de uma pessoa de boa visão ajudando um cego a atravessar a rua. Quantos conceitos se apresentam quando a mãe dá à luz e acolhe a criança em seus braços?

A beleza é desinteressada e proposital. Se negarmos isto, estaremos indo em sentido contrário ao que bate à porta a cada instante de nossas vidas.

Valor

Uma obra de arte agrega valor lógico, emocional, inconsciente e “espiritual”, ou seja, o valor da beleza está presente em todos os níveis de nossa existência física, mental, psicológica e num plano superior (interprete como quiser). Houve um momento antes de nossa existência material e haverá um momento depois, portanto a espiritualidade pode ocorrer de diversas formas.

A construção de valores belos exige sensibilidade estética – ou conhecimento dos elementos perceptíveis por nossos sentidos (em diversos níveis de nossa existência), que possam ser “organizados” com beleza (útil e de valor).

Como primeira obra de arte poderíamos nos referir a natureza, onde ciclos sustentam sistemas e promovem transformações reais (perceptíveis ou não).

Para o seres humanos noto a sensibilidade abstrata e fantasiosa, mesmo que seja desfigurada em alguns casos pelas vaidades e interesses. Propagamos abstração e fantasia em forma de jóias, vestuário, canções, poesias... também alimentamos lacunas do saber, onde a necessidade e a utilidade provocam um elemento importante – a inspiração, cujo valor nasce em virtudes - até que se materialize em forma de arte.

O valor da arte é a mensagem que ela transporta. Quando nos encontramos com uma obra de valor, nos identificamos através dele, ou melhor, vemos através do objeto e concebemos elementos vitais (sempre vitais).

Fotografia é arte?

Certamente é útil (vide a medicina, astronomia, etc.). Pode ser bela? Nem sempre! Com que propósito produzimos imagens?

Arte é um multiverso de interesses conectados exclusivamente aos nossos sentidos e faculdades em relação ao mundo real ou irreal (imaginado).

Se sua ou minha produção fotográfica é acompanhada de contraste, harmonia, necessidade (que erga o indivíduo para outro nível do ser), utilidade (que nos faça perceber a riqueza daquilo que somos desde a origem), beleza e valor, sim… eu diria que acredito que seja arte.

Por fim, este artigo é a ponta de um pensamento incompleto – que ainda se desenvolve para a busca daquilo que acredito que seja profundamente relevante no terreno das artes.
Para mim a busca é o caminho e o caminho é a resposta. Continuar caminhando é belo, útil e necessário.  Esta é a alma do artista e espero alcançá-la um dia.



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